O óxido nítrico (NO), ou monóxido de nitrogênio, é uma
substância reconhecidamente importante para sinalização molecular. Na década
de 1980, descobriu-se que o NO tem um papel crucial em diversas funções
fisiológicas, inclusive no sistema cardiovascular, nervoso e imune, tais
descobertas redundaram num interesse crescente neste gás, levando-o a ser
considerado a molécula do ano em 1992 (Culotta & Koshland, 1992). Os efeitos mais pesquisados do NO são no sistema cardiovascular. O NO é
sintetizado nas células endoteliais a partir da arginina e do oxigênio por
enzimas chamadas óxido nítrico sintases (NOS) e pela redução de nitratos
inorgânicos (Miller & Megson, 2007). Nas células vasculares da
musculatura lisa ele atua por vias enzimáticas específicas para promover a
vasodilatação (Jeremy et al., 2004), além de inibir a agregação plaquetária
(Crane et al., 2005) e ter efeito antiinflamatório (Bath, 1993).
Suplementação
Recentemente, grande atenção foi dado ao óxido nítrico pelos praticantes de
musculação, graças às promessas feitas por fabricantes e vendedores de
suplementos alimentares. Como o óxido nítrico é envolvido com o processo de
vasodilatação, propagandeou-se que os suplementos prolongariam o inchaço
muscular, deixando os músculos maiores, em termos crônicos. Além de mais
raramente se falar da possibilidade do NO estar envolvido no processo de
sinalização de recuperação muscular, pela sua associação com a resposta
imunológica e sua participação na ativação de células satélites.
O NO é sintetizado em uma grande variedade de células, onde atua como um
sinalizador.
O primeiro ponto a se considerar
sobre os suplementos já surge aqui. Por suas características químicas, não há
como se ingerir esse gás por meio de suplementos, portanto não se suplementa
óxido nítrico. A maioria dos suplementos que tentam se associar ao óxido
nítrico traz em sua fórmula o seu potencial precursor, o aminoácido arginina.
A suplementação de arginina demonstrou promover melhoras nas funções
endoteliais em pessoas e animais com patologias específicas, como altos
níveis de colesterol, angina e doenças vasculares (Drexler et al., 1991;
Creager et al., 1992; Dubois-Rande et al, 1992; Clarkson et al., 1994; Boger
et al., 1995; Ceremuzynski et al., 1997; Tousoulis et al., 1997). Entretanto,
apesar de existirem resultados convincentes associando a suplementação de
arginina com parâmetros cardiovasculares, a forma como a arginina melhora
tais funções ainda não é totalmente conhecida, e ainda é questionável se ela
realmente exerça efeitos relevantes na quantidade de NO em pessoas saudáveis.
A disponibilidade de arginina não é limitante para a reação da NOS, pois a
quantidade de arginina normalmente disponível no organismo excede em milhares
de vezes a quantidade necessária para que as reações de síntese de NO
aconteçam (Loscalzo, 2000). De fato, estudos recentes revelam que a
suplementação de arginina não promove aumentos na produção de óxido nítrico,
além de não influenciar a performance nem o metabolismo durante o exercício
(Liu et al., 2008), sendo que resultados similares já haviam sido obtidos
anteriormente (Wennmalm et al., 1995).
Repetindo a idéia já citada anteriormente, quando de fala em suplementos da
via do NO, não se discute o uso de NO e sim o uso de arginina. Nesse sentido,
independentemente da arginina aumentar a quantidade de NO, o uso de arginina
é comprovadamente ineficiente há vários anos. A literatura científica é
consistente em comprovar que a suplementação deste aminoácido não promove
melhoras nos ganhos de força ou massa muscular em pessoas saudáveis
(Williams, 1999; Campbell et al., 2004; Paddon-Jones et al., 2004). Grande
parte dos suplementos contém a arginina alfa-cetoglutarato como principal
estrela de suas fórmulas, a qual também não tem efeitos benéficos comprovador
para praticantes de musculação. Nesse sentido, um estudo recente comparou o
uso de creatina sozinha com o uso de um suplemento comercial que continha
creatina adicionada a uma fórmula que supostamente estimularia a produção de
NO e revelou que não houve diferença nos resultados obtidos, de modo que os
efeitos podem ser atribuídos apenas à creatina (Little et al., 2008).
As propagandas dos suplementos geradores de NO são repletas de
impropriedades, a sigla da substância já começa errada, pois NO2 não é óxido
nítrico (monóxido de nitrogênio), e sim dióxido de nitrogênio. Outro ponto
sinistro é a definição do suplemento como hemodilatador, uma palavra
aparentemente inventada pelos vendedores e que, até onde se tem conhecimento,
carece de coerência fisiológica. Não se dilata o sangue, como a palavra
sugere, se dilatam os vasos, portanto, o termo correto é vasodilator. Outro
erro é dizer que os suplementos contem óxido nítrico, algo impossível, como
vimos anteriormente devido às características químicas desse gás! A proposta
de um efeito vasodilatador constante no músculo treinado seria perigosa, pois
causaria desequilíbrios na distribuição de sangue para demais tecidos e
órgãos, além de descontrole da pressão arterial.
Só essas incoerências já seriam suficientes para retirar a credibilidade dos
suplementos e dos vendedores, pois demonstram uma gritante limitação de
conhecimento e carência de fundamentação teórica.
Enfim, com base no conhecimento fisiológico e na literatura disponível
podemos concluir com segurança que os suplementos que supostamente atuariam
na via do NO não trazem os resultados prometidos. Deste modo, pode-se
adicionar tais suplementos à enorme lista de substâncias que não tem efeitos
científicos comprovados nos ganhos de força e massa muscular e, pior, que não
tem condições fisiológicas de induzir os resultados prometidos pelas
propagandas.
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